Quando um Starship, da SpaceX, explodiu durante um teste de abastecimento de rotina em junho deste ano, a empresa liderada por Elon Musk decidiu que era hora de buscar reforços.

Pouco depois do incidente, cerca 20% do grupo de engenharia que trabalhava no programa do Falcon 9, o principal foguete da SpaceX hoje, foram transferidos por seis meses para se dedicar ao Starship, segundo pessoas familiarizadas com os planos da empresa.

Starship é o megafoguete reutilizável com o qual Musk pretende levar humanos de volta à Lua e também a Marte.

A SpaceX e Musk têm um histórico de responder a problemas de engenharia colocando mais pessoas para resolvê-los. Em 2018, por exemplo, funcionários da Tesla, outra empresa de Musk, saíram de outros cantos dos EUA com destino a Califórnia para ajudar a aumentar a produção do Model 3.

O reforço na equipe do Starship tem como objetivo ajudar a melhorar a confiabilidade do veículo e o teste de componentes individuais, bem como a produção dos foguetes.

Em agosto, a SpaceX revelou que uma garrafa pressurizada com nitrogênio gasoso havia sido danificada, causando sua falha e levando a explosão durante o abastecimento.

O incidente na plataforma de teste foi o mais recente em uma série de contratempos para o Starship. De 3 voos de teste feitos neste ano a partir da Starbase, a instalação da empresa no sul do Texas, 2 resultaram em explosões e o terceiro acabou girando fora de controle ao retornar à Terra.

Essas falhas levaram a questionamentos sobre se o Starship será capaz de cumprir os objetivos de Musk.

O impressionante histórico da SpaceX, incluindo a construção da rede de internet via satélite Starlink e sua inovação na tecnologia de foguetes reutilizáveis, teve um impacto profundo na indústria espacial e na política espacial dos EUA. Isso também tornou a empresa uma das mais valiosas do mundo.

Desde sua criação, a SpaceX transformou voos de teste altamente visíveis que às vezes falham de maneiras espetaculares em uma espécie de cartão de visitas, com transmissões cinematográficas no X, a plataforma de mídia social de Musk.

A ideia é aprender rapidamente com os fracassos. No entanto, as recentes dificuldades do Starship mostram como a atualização rápida de foguetes de milhões de dólares pode levar a uma série de problemas caros.

“Quando você está mudando muitas coisas no design ao mesmo tempo, todos esses efeitos em cadeia começam a se acumular”, disse o pesquisador Todd Harrison, do American Enterprise Institute (AEI), organização voltada à política espacial. “E torna-se cada vez mais provável que você não vai detectar problemas e terá uma falha catastrófica durante um voo de teste.”

Musk fez previsões ousadas sobre o Starship. Segundo ele, o megafoguete não será apenas o primeiro foguete orbital totalmente reutilizável, mas também mais barato do que o de qualquer concorrente. O veículo também ajudaria a alcançar seu objetivo mais ambicioso: levar humanos a Marte.

Até agora, no entanto, as projeções iniciais de Musk de que seria seguro transportar humanos ao espaço até 2023 e pousar pessoas na Lua já neste ano não se concretizaram.

“É um dos desafios de engenharia mais difíceis que existem”, afirmou Musk em um evento para proprietários de Tesla em julho. “Quando começamos a falar sobre o Starship, as pessoas achavam que isso era impossível. Na verdade, mesmo dentro da empresa, nós meio que pensávamos que era impossível.”

Os fracassos não desencorajaram os investidores. A empresa de 23 anos continuou a captar recursos a taxas mais comumente aplicadas a uma startup do que a um negócio maduro. Mais recentemente, a SpaceX tem planejado uma venda de ações que avaliaria a empresa em cerca de US$ 400 bilhões (R$ 2,1 trilhões).

No entanto, há também sinais de que, para a SpaceX alcançar uma valorização substancialmente maior, os investidores podem precisar ver mais progresso no Starship. Durante seu mais recente esforço de captação de recursos, no qual novos investidores não participam, a empresa havia discutido uma avaliação de US$ 500 bilhões (US$ 2,7 trilhões) , antes de reduzi-la após consulta com os financiadores, segundo pessoas a par das discussões.

Muito dependerá do que ainda acontecerá. A empresa pretende lançar seu décimo voo de teste da Starship neste domingo (24). É possível que a SpaceX consiga continuar a absorver mais falhas nos testes, porém a percepção de que a empresa está avançando no desenvolvimento do megafoguete será fundamental para o sucesso de investimento a longo prazo e para o cumprimento dos acordos contratuais com a Nasa.

Corrida do Starship

O Starship é uma grande peça de uma rede crescente de programas que compõem o plano de negócios da SpaceX. A empresa começou com seu programa de foguetes Falcon e adicionou a cápsula Dragon para enviar carga e pessoas ao espaço. Agora, a maior parte de sua receita vem da Starlink, que depende de uma rede de satélites em órbita baixa da Terra que transmitem internet de banda larga.

Para fazer o Starship funcionar, a SpaceX aposta que pode desviar recursos de seu programa principal de foguetes em um momento em que a empresa tem fraca concorrência. Alguns lançamentos planejados de satélites Starlink em foguetes Falcon 9 potencialmente seriam adiados do fim deste ano para o início de 2026 devido ao aumento de engenheiros do Falcon trabalhando no Starship, de acordo com fontes familiarizadas com o planejamento da empresa.

Hoje, a SpaceX conta com cerca de 8.000 satélites Starlink em órbita. Remover alguns lançamentos do cronograma deste ano não foi visto como um problema, segundo as mesmas fontes.

Manter a robusta saúde financeira do Starlink é importante para a SpaceX absorver os custos do Starship. Construir um desses foguetes —composto pela nave Starship e pelo propulsor Super Heavy— custa centenas de milhões de dólares, de acordo com as fontes.

Quando um voo falha, o custo total do veículo perdido recai sobre a SpaceX. A empresa também é responsável por outros custos, incluindo quaisquer danos ambientais causados quando foguetes caem de volta na Terra.

Acertar o Starship é fundamental para o futuro da SpaceX. No fim, o megafoguete seria usado para lançar satélites Starlink maiores e mais potentes no espaço. Com o tempo, a empresa planeja eliminar gradualmente o Falcon 9, tornando o Starship seu principal foguete, segundo executivos da empresa. Além disso, a expectativa é que seja o veículo para iniciar uma base em Marte, a razão pela qual Musk disse ter criado a SpaceX em primeiro lugar.

Procurada, a SpaceX não se manifestou.

Pouso na Lua

A SpaceX afirma que o Starship levará pessoas à superfície lunar nos próximos anos. A Nasa concedeu à empresa de Musk contratos no valor de aproximadamente US$ 4 bilhões (R$ 21,8 bilhões) para usar a Starship no transporte de astronautas até o satélite.

Para cumprir esse acordo, a SpaceX precisará demonstrar a capacidade de reabastecer o veículo mais de uma dúzia de vezes em órbita com voos consecutivos. Essa manobra nunca foi realizada em uma escala próxima à que a SpaceX almeja —e o Starship ainda não completou uma órbita completa da Terra.

A pressão para avançar rapidamente afetou decisões sobre o design do foguete, segundo uma pessoa familiarizada com o processo que não estava autorizada a falar publicamente sobre a tomada de decisões da SpaceX. Para testes recentes, a empresa utilizou um protótipo do Starship conhecido como Versão 2, ou V2. Algumas das decisões de design para essa versão foram tomadas na tentativa de economizar tempo e dinheiro, de acordo com a mesma fonte.

É um tipo de risco que a SpaceX e Musk gostam de assumir, mas as consequências dessas escolhas podem ter efeitos explosivos em cascata, que por sua vez têm impacto na percepção pública.

“Não acho que nada do que aconteceu com o Starship invalide a abordagem da SpaceX”, disse Carissa Christensen, fundadora e CEO da BryceTech, empresa de análise e consultoria espacial. “Dito isso, as falhas em múltiplos testes estão acontecendo em um contexto de alta visibilidade, de uma empresa que normalmente avança muito rápido e com muito sucesso em inovação e em um mundo onde objetivos programáticos dependem deste veículo.”

O ritmo frenético do desenvolvimento do Starship também pode ser um fator para seus tropeços, com mudanças implementadas rapidamente às vezes tendo efeitos imprevistos em outras partes do veículo. Por exemplo, um selo nos motores Raptor passou a falhar depois que a SpaceX começou a adicionar mais propelente em voos posteriores, de acordo com uma pessoa a par do tema que não estava autorizada a falar publicamente o funcionamento interno do programa.

Muitos engenheiros na SpaceX operam sob a filosofia de que cada lançamento é uma oportunidade de aprendizado e que é melhor falhar prematuramente e com frequência do que esperar anos para executar um voo perfeito. Esse pensamento tem sido alimentado pelos grandes recursos da empresa e pelo acesso contínuo a vastas quantidades de dinheiro.

A SpaceX é conhecida por ser “rica em hardware”, o que significa que está constantemente produzindo múltiplos protótipos de foguetes disponíveis para testes e ajustes. A empresa está comprometida em testar seu estoque restante de Starships V2, apesar de haver um consenso interno de que o design é inferior, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. Os engenheiros dizem acreditar que há lições a serem aprendidas com o lançamento dos V2 restantes, ainda de acordo com as mesmas fontes.

Acima de tudo, os engenheiros precisam obter melhores dados dos ladrilhos do escudo térmico do Starship para ajudar a aperfeiçoar a reutilização do veículo. Os ladrilhos não retornaram intactos durante nenhum dos voos deste ano.

Neste ano, a Casa Branca propôs a eliminação gradual do Sistema de Lançamento Espacial (SLS), foguete construído pela Boeing, após seu terceiro voo. A justificativa dada foi que o SLS estava acima do orçamento e era ineficiente e, também, que deveria ser substituído por alternativas comerciais. No final, o senador Ted Cruz destinou mais dinheiro para o quarto e quinto voo do SLS depois que as falhas do Starship suscitaram dúvidas de que ele estaria pronto para substituir o veículo da Boeing em um futuro próximo.

A SpaceX repetidamente provou aos seus críticos que pode dominar o que antes era considerado engenharia quase impossível. Agora, precisa recuperar a confiança dos céticos que temem que a empresa possa estar estagnada.

“A coisa número um é o progresso visível e demonstrável”, disse Christensen. “Acho que isso vai contribuir muito para não criar percepções negativas. E o resultado ideal desse ponto de vista seria que eles alcançassem com sucesso o espaço com um retorno do Starship.”

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