O trabalho matemático é também criativo. A imagem que se tem de matemáticos sentados olhando cálculos e números não é realista, afirmou Artur Avila, ganhador da Medalha Fields em 2014, durante participação nesta quarta-feira (13) na Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade.

“A gente não fica em frente a equações. Tentando resolver equações cada vez mais complicadas. Não é nossa atividade”, disse ele no evento, transmitido no canal do IEA (Instituto de Estudos Avançados), da USP, no YouTube.

Segundo Avila, apesar de as pessoas imaginarem que os números são o elemento-base da matemática, às vezes os matemáticos passam bastante tempo sem ter um a sua frente.

“O objeto de estudo é muito mais geral, muitas coisas podem ser matematizadas”, disse ele, que hoje leciona na Universidade de Zurique, na Suíça, e é pesquisador extraordinário no Impa.

Avila disse que os matemáticos têm relações com objetos bastante abstratos, além de formas e desenhos. “É uma atividade exploratória.”

Os matemáticos, de acordo com ele, passam seu tempo tentando encontrar coisas interessantes que podem não ser óbvias ou mesmo que possam parecer óbvias.

Com isso, acrescentou, a atividade matemática séria está próxima de aspectos de criação. “Já ouvi muita gente falando que não tem nada a ver com matemática por ser criativo. Você precisa ser muito criativo para fazer matemática. A gente não está fazendo conta mecanicamente.”

O ganhador da Medalha Fields afirmou que, em geral, passa-se por cima da parte técnica de questões matemáticas, apesar do conhecimento de que eventualmente vai se chegar a essa etapa. “Mas não é isso que ocupa o nosso espírito. Na maior parte do tempo, a questão é saber quais são as fronteiras dos métodos que você consegue enxergar e descobrir algo a mais, como ir além. Por definição, como ninguém conseguiu fazer isso, envolve imaginar, arriscar, não seguir uma trilha já conhecida.”

Existem inúmeros métodos para esse tipo de aplicação de criatividade e resolução de problemas; portanto, acaba sendo um processo muito pessoal. Por isso, Avila recomenda que as pessoas não se mirem em exemplos de outros grandes matemáticos. “A pessoa tem que descobrir o seu método.”

Em meio a esse processo imaginativo matemático, Avila afirmou que os pesquisadores, após muitos anos trabalhando com algum tema, vão criando representações internas próprias, que podem deixar de representar as coisas reais.

“Às vezes, você pode usar um linguajar que acesse objetos comuns, mas eles já estão transformados na sua cabeça. Então, o seu cérebro funciona dessa maneira, ele tem uma maneira de interpretar o mundo, ele cria uma representação e a gente pode interpretar também fatos abstratos dentro da nossa cabeça.”

De acordo com o matemático brasileiro, cada pessoa tem uma representação própria do que faz, que é o que funciona melhor para ela.

Uma relação interessante, porém, ocorre quando o matemático precisa comunicar seus pensamentos para outros pesquisadores e, para isso, precisa fazer uma tradução do seu raciocínio.

“Esse exercício de comunicação é, às vezes, bastante interessante para o processo criativo. É no momento que você tenta descrever esses objetos que estão na sua cabeça que, de repente, descobre algo”, afirmou Avila. “A comunicação é bastante importante, mesmo na atividade criativa. Não é só para contar o que você já sabe.”

Durante a palestra, Avila foi perguntado se a IA (inteligência artificial) já impacta, de alguma forma, o processo criativo matemático.

Avila respondeu que ainda não conseguiu usar de modo eficiente a IA, por ela não trazer algo que ele já não soubesse ou que fizesse melhor no momento. Na verdade, o pesquisador se disse até mesmo irritado com a tecnologia, pelo modo como ela lida com algumas questões. Por fim, demonstrou certa preocupação.

“Percebi quando ela estava falando bobagem, um aluno não iria perceber. O ChatGPT pode ser muito convincente. Ele teria me enganado se eu não soubesse a resposta. O argumento estava muito bem estruturado, só era falso”, afirmou Avila.

O matemático, porém, disse acreditar que a IA pode, sim, ser útil e vir a ser importante em determinados momentos, se bem utilizada.

A palestra faz parte do ciclo 2024-2025 da cátedra, que aborda o tema “Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento”.

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