A saída do armário liberal protagonizada por Tarcísio de Freitas foi o fato político tenebroso da semana. Ao prometer indulto a Jair Bolsonaro caso eleito presidente, o governador de São Paulo jura lealdade à camorra antivacina que condenou à morte 95 mil brasileiros na pandemia.

Diante da carnificina, o réu ser condenado por tentativa de golpe soa como encarcerar Al Capone por sonegação. Mas passe. Antes tarde, pelos motivos menores, do que nunca, pelas razões justas.

A desconfiança com vacinas equivale à metástase de um tumor silencioso na imagem da ciência. Você já ouviu a conversa: uma hora não é para comer ovo, a fim de controlar o colesterol, depois está liberado; um pouco de álcool faz bem à saúde, e em seguida nenhuma quantidade de bebida é segura.

Sim, a pesquisa científica tem idas e vindas, vaivém causado pelo surgimento de novos dados ou, não raro, pelo excesso de entusiasmo jornalístico com estudos parciais que anulam uns aos outros. É preciso estômago forte e ceticismo afiado para digerir o coquetel sensacionalista.

Não existe controvérsia quanto à segurança de vacinas. Pode haver efeitos adversos, como reações alérgicas a componentes, mas são casos raros, que não desequilibram a relação custo-benefício.

A desconfiança começou com a mãe de todas as fake news antivacina: um artigo de 1998 no periódico The Lancet, liderado por Andrew Wakefield, associando a vacina tríplice MMR (sarampo, caxumba e rubéola) com autismo. O trabalho foi cancelado 12 anos depois, mas o estrago estava feito.

Uma ideologia natureba espalhou como rastilho de pólvora a resistência a vacinas. Os antivaxxers menos tresloucados não se apoiam mais em estudos marginais e apelam ao libertarianismo, doença infantil do liberalismo, para atacar não tanto os imunizantes, mas a obrigatoriedade de vacinar crianças.

Para proteger a saúde pública, entretanto, cobertura vacinal ampla é decisiva por impedir ou dificultar a circulação de patógenos como o coronavírus. Quanto mais ela recua, maior o risco de surtos, como já se vê nos casos de sarampo nos EUA.

O secretário (ministro) de Saúde de Donald Trump, Robert Kennedy Jr, chegou ao posto liderando uma cruzada contra vacinas. Empossou sicários em postos chave da administração, mas trombou com a coragem da titular dos respeitados Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Susan Monarez.


Quando ela se recusou a endossar suas iniciativas contra a obrigatoriedade de vacinas e pesquisas com imunizantes, Bobby tentou demiti-la. Monarez acionou a Justiça, e o confronto deflagrou pedidos solidários de demissão em diretorias dos CDC e uma petição pela saída do secretário que já tem mais de mil assinaturas.

Quem achar que nada disso tem a ver com o Brasil que atente para a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC). Do mesmo partido de Bolsonaro, ela apresentou dois projetos pestilentos de lei, um que autoriza a recusa de vacinação e outro instituindo o crime de “coação vacinal”.

Vai que, na insensatez do Congresso hoje, esses retrocessos terminem votados. Vai que ela vire ministra do indultador Tarcísio. Não será surpresa; será uma tragédia.

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