Um predador de topo da pirâmide alimentar vagava pelas florestas da Patagônia alguns milhões de anos antes da era dos dinossauros chegar ao fim. Grande como um tigre siberiano, caminhava sobre quatro patas, com mandíbulas poderosas e dentes em forma de facas.
Mas este caçador não era um dinossauro. Em um artigo publicado na quarta-feira (3) na revista PLOS One, pesquisadores anunciaram a descoberta do Kostensuchus, um grande crocodilo terrestre. A descoberta mostra que os dinossauros predadores na América do Sul enfrentaram forte competição de seus primos crocodilianos até os últimos dias de seu reinado.
“Eles não eram apenas abundantes”, disse Fernando Novas, paleontólogo do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia e um dos autores do artigo. Eles também eram grandes o suficiente para disputar presas com dinossauros como o megaraptor e dromeossauro.
Os restos do feroz crocodilo foram descobertos em março de 2020 na província argentina de Santa Cruz. As rochas ali se formaram 6 milhões de anos antes do fim do período Cretáceo, disse Novas. Ele e colegas já haviam encontrado vestígios de um dinossauro de pescoço longo e dinossauros de braços longos com garras em forma de gancho na região.
Enquanto caminhavam pelas planícies, membros da expedição notaram um pesado bloco de rocha contendo indícios de um crânio de crocodiliano.
Os restos pertenciam a uma linhagem de crocodilos terrestres conhecidos como pierossaurídeos, que tendem a ter restos extraordinariamente incompletos, disse Cecily Nicholl, especialista em crocodilos terrestres da University College London, que não participou do estudo.
Mas quando o espécime foi totalmente preparado meses depois, estava surpreendentemente bem preservado, com um crânio que estava conectado a uma coluna vertebral articulada, ombros e quadris.
Com base em comparações com crocodilianos vivos, o animal completo teria cerca de 3,5 metros de comprimento e pesaria 250 quilos, estimou a equipe. Embora fosse menor que os maiores crocodilos contemporâneos, suas mandíbulas largas e poderosas e dentes longos, achatados e serrilhados eram comparáveis aos de um grande dinossauro predador ou de um dragão de komodo moderno. Eles teriam sido caçadores habilidosos, inclusive de dinossauros de médio porte.
Enquanto a América do Norte e a Ásia tinham sua parcela de crocodilos do Cretáceo, eles eram principalmente de famílias que haviam evoluído para um estilo de vida semiaquático. Mas os crocodilos seguiram uma trajetória diferente na América do Sul e na África, onde várias famílias caminhavam com os membros mantidos sob seus corpos —como mamíferos e dinossauros— em vez da postura de seus primos aquáticos.
A análise da equipe sobre os quadris do Kostensuchus sugeriu que ele mantinha suas pernas em uma postura um pouco mais aberta do que alguns crocodilos terrestres relacionados, sugerindo que, embora fosse um predador terrestre capaz, ele e outros pierossaurídeos poderiam ter se sentido relativamente confortáveis na água.
Isso aponta para a possibilidade de que diferentes famílias de crocodilianos possam ter evoluído independentemente para estilos de vida mais aquáticos várias vezes, disse Novas.
A anatomia esquelética por si só torna difícil dizer se um animal como o Kostensuchus passava muito tempo na água, ou se era um membro terrestre de uma família cada vez mais inclinada à vida aquática, disse Jeremy Martin, paleontólogo da Universidade de Lyon na França, que não participou do estudo.
Martin sugeriu que um estudo dos isótopos estáveis dentro dos ossos, que têm sido usados para ajudar a identificar a dieta e as condições climáticas em animais fósseis, poderia revelar mais sobre o estilo de vida e o ambiente do crocodiliano recém-descoberto.
Martin também disse que a equipe pode ter superestimado o comprimento do corpo do animal, observando que as proporções sugeridas pelos pesquisadores podem não corresponder a outros espécimes —reconhecidamente mais fragmentários.
De qualquer forma, o Kostensuchus era maior que muitos outros pierossaurídeos e, como o membro mais meridional e mais recente conhecido do grupo, preenche uma lacuna importante em sua árvore genealógica, disse Novas.
Também mostra que crocodilos terrestres de diferentes linhagens regularmente se tornavam grandes o suficiente para desafiar grandes dinossauros predadores em toda a América do Sul, uma dinâmica ecológica que persistiria mesmo depois que cada grupo perdeu a maioria de suas espécies na extinção do Cretáceo. Há apenas 20 milhões de anos, enormes crocodilos terrestres ainda competiam com grandes aves-terror nas planícies sul-americanas.
Em um mundo de crocodilos corredores de todos os tamanhos, disse Novas, o Kostensuchus e seus primos posteriores eram equivalentes a leões.