A declaração em que o senador Ciro Nogueira (PP-PI) atribui o avanço de negociações sobre a anistia de envolvidos na trama golpista a uma avaliação do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, provocou a irritação de ministros da corte com o colega.

Barroso contrariou integrantes do tribunal ao afirmar que, após o julgamento e a eventual condenação dos réus, a anistia seria uma decisão política. Embora o ministro negue essa intenção, a fala foi interpretada por bolsonaristas como uma aval à deflagração de uma articulação no Congresso para concessão de indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em entrevista à Folha, Ciro Nogueira, que é presidente do PP e foi ministro de Bolsonaro, afirmou que a declaração de Barroso criou o ambiente propício para o debate no Congresso.

Contrário à tese de Barroso, um ministro do STF fez duras críticas, sob reserva, à declaração do presidente do tribunal. Esse magistrado aponta que o regime democrático é uma cláusula pétrea da Constituição, sendo absurdo considerar perdoável um ataque à democracia.

O mesmo ministro classificou como uma barbaridade a avaliação de Barroso, por entender que o caso não estaria suscetível à anistia —nem antes nem depois do julgamento.

Uma ala do STF considerou a declaração como um desrespeito à maioria do tribunal, que seria contrária à anistia. Barroso teria dado uma justificativa para a articulação bolsonarista no Congresso sem consultar a corte.

Um magistrado acrescenta que, do ponto de vista jurídico, não haveria nem mesmo impedimento à anistia antes da decisão da corte, como afirmou Barroso.

Outro ministro, também contrário à anistia, avalia que a visão expressada por Barroso é minoritária no plenário. Esse magistrado calcula que apenas três ou quatro dos 11 integrantes do STF pensam dessa maneira, o que incluiria o próprio presidente do tribunal.

Nas palavras desse ministro, há “chance zero” de o tribunal avalizar uma anistia ampla, mesmo que tenha apoio em massa no Congresso Nacional.

Segundo a colunista Mônica Bergamo, o STF, em sua composição atual, já tem maioria para barrar a anistia que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, articula com o centrão para beneficiar Jair Bolsonaro e livrá-lo da prisão.

Esse magistrado interpreta as declarações de Barroso como uma tentativa de fazer um gesto político num momento considerado delicado, diante das ameaças constantes de sanções do governo dos EUA a integrantes do Supremo.

Ministros lembram que Barroso deu um dos oito votos no STF que invalidaram o indulto concedido por Bolsonaro ao então deputado Daniel Silveira. Em 2022, ele foi condenado pelo STF por incitação à abolição violenta do Estado democrático de Direito e coação no curso do processo.

Então presidente, Bolsonaro concedeu o indulto ao parlamentar, mas a medida foi derrubada pela corte. Na ocasião, Barroso acompanhou a tese de que o ato do presidente havia sido marcado por desvio de finalidade e apontou que o Supremo tinha a prerrogativa de avaliar os atos do Executivo.

“Num Estado democrático de Direito, constitucional, quem diz o sentido e o alcance da Constituição e das leis é o Supremo”, afirmou.

Como registrou Mônica Bergamo, outro ministro que votou pela derrubada do indulto foi Luiz Fux, que tem dado sinais de alinhamento a teses da defesa dos réus dos ataques de 8 de Janeiro e da trama golpista. Naquele julgamento, Fux afirmou que não caberia perdão do Congresso no caso de crimes contra a democracia.

“Entendo que crime contra o Estado democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, através de uma emenda, pode suprimi-la”, disse o ministro.

Apesar das projeções de ministros de que não haveria chance de aprovação da anistia pela corte, outra ala do tribunal é adepta à tese. O ministro Kassio Nunes Marques é apontado como um dos apoiadores.

Como ele assumirá a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2026, parlamentares bolsonaristas alimentam a expectativa de que a inelegibilidade de Bolsonaro seja derrubada pelo tribunal durante sua gestão, caso a hipótese seja aprovada pelo Congresso Nacional no bojo da votação de uma anistia para os condenados pela trama golpista.

Procurado para comentar a declaração de Ciro Nogueira, Barroso não se manifestou.

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