Após meses de frustração crescente com a guerra em Gaza e os negócios de seu empregador em Israel, o engenheiro de software da Amazon Ahmed Shahrour disse que chegou ao seu limite nesta semana.
Na última segunda-feira (8), ele publicou uma carta em dezenas de canais internos de mensagens da Amazon exigindo que a empresa rescindisse seus contratos com o governo israelense, segundo capturas de tela vistas pelo Washington Post.
“Quero pressionar a Amazon a cortar totalmente os laços com Israel”, disse Shahrour, que se identifica como palestino. Horas depois de postar suas mensagens em grupos internos no Slack, a Amazon desativou suas contas e o suspendeu com pagamento, contou.
A Amazon se recusou a confirmar o relato de Shahrour, mas o porta-voz Brad Glasser afirmou: “Não toleramos discriminação, assédio ou comportamento ou linguagem ameaçadora de qualquer tipo em nosso local de trabalho e, quando recebemos relatos desse tipo de conduta, investigamos e tomamos as medidas adequadas com base em nossas conclusões.”
O episódio envolvendo Shahrour é o mais recente a se tornar público em um conflito prolongado entre gigantes da tecnologia do Vale do Silício, como Microsoft e Google, e pequenos grupos de funcionários que protestam contra os laços corporativos com o governo e as Forças Armadas de Israel.
Uma minoria de empregados, como Shahrour, afirma que os contratos de suas empresas com Israel os fazem se sentir cúmplices das políticas do país em relação aos palestinos e à guerra em Gaza. Em resposta, as companhias continuam a cumprir os contratos enquanto reprimem a dissidência interna, demitindo funcionários que protestam e até acionando a polícia para prender trabalhadores.
Segundo documentos financeiros, o Google emprega 183 mil pessoas e a Microsoft, 228 mil globalmente. Já a Amazon possui mais de 1,5 milhão de funcionários entre escritórios e sua ampla rede logística.
A Liga Antidifamação (ADL), que combate o antissemitismo, disse em nota por email sobre a suspensão de Shahrour que “essa ação clara ajuda a proteger todos os funcionários, clientes e acionistas e envia uma mensagem forte a todos de que tal comportamento é inaceitável”.
A Microsoft afirmou que fornece serviços de software, nuvem e inteligência artificial ao Ministério da Defesa de Israel. Google e Amazon compartilham o projeto de computação em nuvem chamado Nimbus, que atende diferentes órgãos do governo israelense. (Jeff Bezos, fundador da Amazon, é dono do Washington Post.)
O Post noticiou no início deste ano que funcionários do Google correram para oferecer mais ferramentas de IA às Forças Armadas de Israel nas semanas após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra em Gaza.
Funcionários do Google souberam neste mês que o governo israelense havia publicado em junho um documento listando US$ 45 milhões (R$ 240 milhões) em gastos com publicidade na empresa, segundo revelou primeiro o site Drop Site News. Um porta-voz do Google observou que, embora o governo de Israel de fato compre anúncios em sua plataforma YouTube, o documento “não é um contrato entre o governo israelense e o Google”.
Um grupo chamado No Tech for Apartheid, que reúne funcionários e ex-funcionários do Google e da Amazon, disse em nota que seus membros “rejeitam a cumplicidade de nossas empresas em um genocídio” e pediram para “encerrar todos os negócios com o governo israelense, novos e antigos”. Mais de 50 funcionários do Google foram demitidos no ano passado após participarem de um protesto organizado pelo grupo em escritórios da companhia.
Numa reunião da Microsoft na quinta-feira, o presidente Brad Smith falou sobre incidentes ocorridos no mês anterior, quando manifestantes foram presos em sua sede, incluindo empregados que pediam o fim do contrato de nuvem com Israel. Alguns deles foram demitidos.
Smith, cujo escritório havia sido ocupado pelos manifestantes, reconheceu preocupações de que o governo israelense pudesse ter usado ferramentas da Microsoft para vigiar palestinos. A empresa forneceu ao Post uma cópia de seu discurso.
Ele disse que os líderes da companhia souberam de “informações que não tínhamos antes” quando o jornal Guardian noticiou em agosto que o serviço de nuvem Azure da Microsoft foi usado pelas Forças de Defesa de Israel para armazenar ligações telefônicas de palestinos gravadas secretamente.
“Não permitimos que nossos serviços sejam usados para (…) vigilância em massa de populações civis”, afirmou Smith. “Vamos chegar ao fundo disso”, acrescentou, mencionando a contratação de um escritório de advocacia para investigar o caso, anunciada no mês passado.
Smith também disse que a Microsoft reforçará seu processo de denúncia de violações de direitos humanos e encorajou os funcionários a usarem os canais oficiais. Mas afirmou que era “senso comum” demitir quem ocupou escritórios. “Sei que quem trabalha aqui entende e apoia isso”, disse.
Ativistas já pediam que empresas de tecnologia cortassem laços com o Exército dos EUA e com Israel antes mesmo da guerra em Gaza, por temer a militarização de seus trabalhos. Em 2021, um grupo de funcionários do Google condenou o contrato Nimbus com o governo israelense assim que ele veio a público.
Pouco depois, o No Tech for Apartheid —que reúne empregados e ex-empregados da Amazon e do Google junto com ativistas externos— começou a organizar protestos e petições exigindo que as companhias encerrassem o contrato.
Os protestos na Amazon e no Google se intensificaram depois de outubro de 2023, quando Israel iniciou sua ofensiva em Gaza em resposta ao ataque do Hamas, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez 250 reféns. Desde então, mais de 60 mil palestinos foram mortos pela ofensiva israelense, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, cujos números não distinguem entre civis e combatentes.
Em abril de 2024, nove funcionários do Google foram presos durante um sit-in organizado pelo No Tech for Apartheid em um escritório da empresa em Nova York, um dos protestos que levaram a uma onda de demissões. Um processo movido por alguns dos demitidos, alegando retaliação ilegal, ainda está em andamento.
A porta-voz do Google, Courtenay Mencini, disse que a empresa foi “muito clara” sobre suas regras de uso aceitável da tecnologia, que regem o contrato Nimbus. Sobre o protesto que levou às prisões, ela afirmou que os funcionários envolvidos estavam “fazendo outros colegas se sentirem ameaçados e inseguros”.
“Por qualquer padrão, o comportamento deles foi totalmente inaceitável”, disse em nota. “Mantemos nossa decisão de encerrar o vínculo empregatício desses indivíduos.”
Em um dos protestos de agosto na sede da Microsoft em Redmond, Washington, 20 pessoas foram presas, disse Smith na reunião de quinta-feira. O grupo publicou imagens das detenções mostrando policiais arrastando manifestantes e barracas. Em carta pública a Smith e ao CEO Satya Nadella, o grupo prometeu novos protestos e acusou a empresa de “ser cúmplice de genocídio e fome”.
Na semana seguinte, segundo Smith, sete manifestantes se entrincheiraram em seu escritório e iniciaram uma transmissão ao vivo na internet. A NPR relatou que o vídeo capturou o momento em que a polícia entrou para prender o grupo, dois deles empregados da Microsoft.
A pressão interna contra os laços da Amazon com Israel tem sido mais tímida do que no Google e na Microsoft, em parte devido a tensões entre o grupo de funcionários árabes e colegas pró-Israel.
No início do verão, o canal no Slack do grupo árabe chegou a desaparecer temporariamente depois que um colega baseado em Israel o ocultou de propósito, segundo dois funcionários da Amazon. Shahrour disse que esse episódio contribuiu para sua decisão de publicar a carta internamente, o que gerou uma mistura de apoio e críticas de outros empregados antes de sua conta ser desativada.
Mais tarde, ao distribuir panfletos na calçada em frente à sede da Amazon em Seattle, Shahrour contou que alguns colegas o abordaram para debater suas opiniões.
Um grande evento planejado por funcionários da Amazon neste ano para demonstrar apoio aos palestinos foi cancelado em cima da hora, segundo um empregado que pediu anonimato para proteger seu trabalho.
Esse funcionário recebeu uma advertência por escrito da administração da Amazon após compartilhar no Slack uma reportagem da CNN sobre médicos que haviam se voluntariado em Gaza e pediam um cessar-fogo. Segundo ele, a advertência entrou em seu registro permanente de RH.
O empregado disse que, desde então, passou a ser “mais cuidadoso com as palavras”, enquanto outros colegas têm sido “mais calados e tímidos” ao postar qualquer coisa.
Shahrour, que segue suspenso da Amazon, disse que a capacidade dos funcionários árabes de discutir a guerra em Gaza no trabalho tem sido cada vez mais restrita, o que o faz pensar ainda mais no conflito. “Se você colocar qualquer coisa sobre a Palestina, será denunciado e ficará sob investigação”, afirmou.
Ele disse que foi um dos presos no campus da Microsoft em agosto. Shahrour espera que suas ações desta semana inspirem colegas a seguir o exemplo do grupo da Microsoft e criar “uma resistência local dentro da Amazon”, declarou.