Ele viveu centenas de milhares de anos atrás, sobrevivendo no que é hoje o centro da China. Com um pescoço atarracado e um cérebro grande, provavelmente utilizava ferramentas feitas de pedra e caçava ou buscava restos de ungulados antigos, elefantes e rinocerontes.

Agora este homem antigo —ou pelo menos, seu crânio fossilizado— está desafiando a cronologia tradicional da evolução humana, levando alguns cientistas a argumentar que nossa própria espécie é muito mais antiga do que se pensava anteriormente.

Uma nova análise deste crânio masculino, publicada na quinta-feira (25) na revista Science, sugere que os humanos modernos se separaram dos neandertais e outros humanos arcaicos há mais de um milhão de anos. As descobertas questionam a data usual de 500 mil a 700 mil anos atrás para quando este último ancestral comum viveu.

“Isso é uma grande mudança”, disse Chris Stringer, paleoantropólogo do Museu de História Natural de Londres e coautor do estudo. “Estamos falando de algo talvez duas vezes maior para a divergência desses grupos.”

Mas outros pesquisadores permanecem céticos quanto à nova avaliação do crânio, descoberto pela primeira vez em 1990. O peso das evidências de análises genéticas e outros fósseis, dizem eles, sugere uma origem muito mais recente para nossa espécie, Homo sapiens.

“Receio que continuo não convencida pelas datas sugeridas”, disse Marta Mirazón Lahr, professora de arqueologia de Cambridge que não participou do estudo.

O crânio em questão é um de vários desenterrados em um sítio arqueológico às margens do rio Han, um afluente do Yangtze, no centro da China. Outras pesquisas dataram o local em cerca de 1 milhão de anos.

Os cientistas estavam ansiosos para examinar os crânios e colocá-los na árvore da evolução humana. Mas o primeiro dos crânios, encontrado em 1989, estava gravemente esmagado por sedimentos, como se um rolo compressor o tivesse amassado da sobrancelha até a parte de trás da cabeça. O segundo, descoberto no ano seguinte e apelidado de “Yunxian 2”, não estava em muito melhor estado.

Por um tempo, paleontólogos especularam que os crânios pertenciam a uma das linhagens mais antigas na árvore da evolução humana, Homo erectus. Mas quando o paleoantropólogo Xijun Ni teve acesso ao Yunxian 2 há alguns anos, ele avaliou que era grande demais para isso.

“Quando tive a chance pela primeira vez de segurar o espécime, percebi de repente que era tão grande”, disse Ni, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências, coautor do estudo.

Com o crânio em mãos, Ni, Stringer e seus colegas meticulosamente juntaram seus pedaços quebrados como um quebra-cabeça —pelo menos digitalmente, após submeter o fóssil a uma tomografia computadorizada e reconstruir o crânio em um programa de computador. Para preencher as peças que faltavam, os pesquisadores incorporaram alguns elementos anatômicos do primeiro crânio, chamado Yunxian 1.

“Havia tantas rachaduras e pedaços quebrados”, disse Ni. “É muito parecido com uma cirurgia digital.”

Eric Delson, paleoantropólogo do Museu Americano de História Natural em Nova York que não participou do estudo, chamou a reconstrução do crânio de “fantástica”, especialmente quando “comparada à panqueca esmagada que era antes”.

“Este artigo é uma contribuição realmente importante”, disse Suzy White, paleoantropóloga da Universidade de Reading na Grã-Bretanha que não participou do estudo. “Este fóssil tem sido difícil de interpretar devido à sua aparência distorcida.”

O crânio restaurado digitalmente revelou uma mistura de características primitivas e modernas. O crânio é baixo e longo, como os membros mais antigos do gênero Homo, mas o cérebro que continha deve ter sido grande, como nos humanos modernos. Os pesquisadores concluíram que pertencia a um grupo de humanos primitivos denominado clado longi, que provavelmente inclui um grupo chamado denisovanos.

Dado o entendimento de que o local onde os crânios foram desenterrados tem cerca de 1 milhão de anos, a equipe usou essa data como ponto de referência para remodelar a árvore da vida que descreve a evolução humana. Eles concluíram que o clado longi se ramificou da linhagem dos humanos modernos há cerca de 1,32 milhão de anos, enquanto os neandertais divergiram há 1,38 milhão de anos.

Mas Lahr, a cientista de Cambridge, disse que as melhores evidências genômicas sugerem que os neandertais e denisovanos são na verdade mais estreitamente relacionados entre si do que são com os humanos modernos, em conflito com a forma como a árvore recém-proposta se ramifica.

E a visão consensual dos geneticistas é que nossa espécie é relativamente recente, ramificando-se apenas há 500 a 700 mil anos. Neandertais e denisovanos são tão intimamente relacionados aos humanos modernos que os três grupos se relacionaram.

Svante Pääbo, geneticista do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva que ganhou um prêmio Nobel por descobrir a mistura sexual entre espécies humanas antigas, disse que apenas a recuperação de DNA, ou talvez proteínas, resolverá a relação do crânio com o resto da humanidade.

Pääbo acrescentou que não há “informações suficientes da morfologia desses espécimes para determinar com confiança como eles estão relacionados entre si, muito menos datar as divergências entre eles”.

Stringer e Ni disseram que o crânio é muito antigo para reter DNA. E eles reconheceram que, sem mais fósseis, é impossível saber se sua reconstrução é perfeita. Eles esperam que um terceiro crânio, encontrado em 2022 no mesmo local, possa trazer mais esclarecimentos.

“Alguns pesquisadores podem ser céticos em relação a essas datas de divergência relativamente profundas”, disse Stringer. “Mas se Yunxian é de fato um membro inicial do clado longi-denisovano, isso necessariamente empurra para trás a idade mínima desse clado para pelo menos 1 milhão de anos.”

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