O projeto de resolução nº 71/2025, essa “coisa”, foi gerado pelo cruzamento entre religião e oportunismo político. Denominá-lo Bancada Cristã beira o escárnio com o povo brasileiro. Bancada do Pecado me parece uma designação mais adequada, bíblica e teologicamente, para a “coisa”.

Se a institucionalização da tal bancada pode ser vista como mais uma jogada em torno da disputa pelo poder, a avaliação é bem diferente sob o ponto de vista da Bíblia. Aliás, sugiro como mote bíblico para a bancada o Salmo 51, versículo 5: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”.

A Câmara dos Deputados comete pecado gravíssimo contra a fé e a democracia ao permitir que seja criada uma representação política besuntada com os óleos das religiões católica e evangélica.

Não ignoro as motivações eleitorais que acompanham o projeto de resolução nº 71/2025. Pesa decisivamente no cálculo para formalização da Bancada Cristã, nesse momento, o ganho de tração eleitoral de Lula para o pleito de 2026 e sua discreta melhora nas intenções de voto no segmento evangélico.

O termo pecado, nos idiomas do Antigo e do Novo Testamento, significa “errar o alvo”. Sob o ponto de vista de seus interesses eleitorais e financeiros, só o tempo dirá se os deputados acertaram ou erraram com a proposta da criação da Bancada Cristã. Contudo, sob o ponto de vista bíblico, pecam desavergonhadamente.

Primeiro: o projeto peca afrontando o que Jesus ensinou sobre a separação entre Igreja e Estado. Ele foi claro ao responder sobre tributos para os fariseus: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21).

Segundo: o projeto viola a ordem “Não tomarás o nome do SENHOR, teu Deus, em vão” (Êxodo 20:7). O nome divino é desrespeitado pela manipulação com a finalidade de se alcançar sucesso eleitoral. Dionísio Areopagita, primeiro bispo de Atenas, denunciava aqueles que usavam o sagrado de modo profano para alcançar fins nada santos.

Terceiro: o projeto afirma que a instituição da Bancada Cristã atende “o desejo de milhões de brasileiros”. Qual é a pesquisa que registrou o anseio de milhões de brasileiros pela criação da tal bancada? Alguém já viu uma manifestação com cartazes: “Queremos uma Bancada Cristã”? Católicos e evangélicos não deveriam menosprezar o que escreveu o apóstolo Paulo: “Deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo” (Efésios 4:25).

Quarto: a justificativa para criação da bancada afirma que a iniciativa “não tem caráter excludente, mas integrador”. É discriminatória e, além disso, hipócrita. Na epístola de Tiago está escrito: “Se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado” (Tiago 2:9).

Os proponentes da “coisa” denominada Bancada Cristã argumentam que os cristãos representam 80% da população do país e estariam sub-representados no parlamento. O próximo passo será uma democracia confessional à moda do Líbano? Por lá, o presidente deve ser um cristão maronita; o primeiro-ministro, um muçulmano sunita; e o porta-voz do parlamento, um muçulmano xiita. Por aqui, as cadeiras e cargos seriam distribuídos pelo tamanho de cada igreja no Brasil?

O objetivo inconfessável da criação da Bancada Cristã é a associação do cristianismo à agenda conservadora de direita e, com isso, a demonização do pluralismo político e religioso. Embora a justificativa para criar a bancada seja a valorização da fé, trata-se, na verdade, de banalização e instrumentalização do sagrado com finalidade eleitoral. Tudo combinado e ungido em nome de Deus.

O placar da votação da urgência para o projeto foi de 398 a favor e 30 contrários. A lucidez democrática não alcançou sequer a cifra de dízimo.

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