Um grupo de pesquisadores apoiado pela Fapesp confirmou, pela primeira vez em alto grau de detalhe, a identidade dos primeiros liquens que habitaram a Terra, o Spongiophyton, cerca de 410 milhões de anos atrás. Simbiose entre fungo e alga, hoje bastante comuns em troncos de árvores e telhados, por exemplo, os liquens são apontados como alguns dos responsáveis pela estruturação dos ecossistemas terrestres, uma vez que dissolvem rochas e possivelmente ajudaram a formar os primeiros solos.

O estudo foi publicado na revista Science Advances, no fim de outubro, por pesquisadores de 19 instituições, incluindo a Universidade de São Paulo (USP) e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

“Esse organismo é bastante presente no registro fóssil e sempre houve controvérsia se seria um fungo, uma planta ou um líquen. Graças a algumas linhas de luz do Sirius [fonte de luz síncrotron de última geração do CNPEM], aliadas a outras técnicas, pudemos visualizar estruturas que permitem afirmar, com bastante segurança, que se trata do primeiro líquen conhecido a habitar a Terra”, conta Bruno Becker-Kerber, primeiro autor do estudo, realizado durante pós-doutorado no Instituto de Geociências (IGc) da USP e no CNPEM com bolsa da Fapesp.

As diferentes linhas de luz utilizadas no estudo permitiram obter imagens em escalas micrométrica e nanométrica, inclusive em três dimensões. Um nanômetro é equivalente a um milímetro dividido por um milhão de vezes. No trabalho, obteve-se uma resolução de 170 nanômetros. Dessa forma, foi possível visualizar a presença de possíveis estruturas reprodutivas, redes de hifas (filamentos que compõem o corpo de fungos multicelulares) e células de algas, o que seriam fortes indícios para caracterizar um líquen.

As análises permitiram ainda detectar a presença de cálcio, compostos nitrogenados e lipídios, descartando a possibilidade de se tratar de uma planta. “O material mais resistente nas plantas não vasculares é a celulose. Liquens, por sua vez, são compostos de quitina, mesmo material que forma a casca dos insetos. A quitina é carregada de nitrogênio. Quando analisamos o Spongiophyton, detectamos um sinal muito forte de nitrogênio nunca antes visto. Raramente se tem uma evidência tão robusta quanto essa”, comenta Jochen Brocks, coautor do estudo e professor da Universidade Nacional da Austrália, em um comunicado à imprensa.

Também foram identificadas micropartículas de cálcio compatíveis com minerais produzidos por liquens atuais como forma de proteção solar, uma evidência inédita em fósseis tão antigos.

Para outra coautora, Nathaly Archilha, pesquisadora do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do CNPEM, o trabalho mostra a importância de combinar métodos tradicionais com técnicas de ponta. “As medições nos guiaram para regiões-chave dos fósseis e conseguimos obter imagens em escala nanométrica que revelaram as complexas redes de fungos e algas que definem o Spongiophyton como um verdadeiro líquen”, explica.

Pai e filho

Becker-Kerber obteve o fóssil em 2021 numa pedreira no município de Rio Verde de Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, seu estado natal. Na época em que realizava mestrado no IGc-USP, o pesquisador tinha o costume de ir a campo com o pai entusiasta de paleontologia, Gilmar Kerber, hoje aposentado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e doutorando em biologia animal na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

“Cada fóssil é uma janela para o passado. Este, em especial, mostrou uma nova visão sobre como a vida conquistou o ambiente terrestre”, diz Kerber, o pai.

“Pedreiras são grandes fontes de material para os paleontólogos. Meu pai martelou uma pedra e, quando ela se abriu, percebi que tinha algo inédito para aquela região”, conta Becker-Kerber, o filho, atualmente realizando pós-doutorado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

Imediatamente, conta, ele embalou o material em papel-alumínio esterilizado, a fim de reduzir as chances de contaminação com materiais e microrganismos do ambiente. Esse procedimento possibilita que os pesquisadores façam análises sensíveis, como a identificação de biomarcadores moleculares.

O estudo sugere que os primeiros liquens surgiram naquela região, no que eram partes frias do antigo supercontinente Gondwana, hoje correspondente à América do Sul e à África. Os resultados indicam ainda que eles não eram organismos marginais, vivendo apenas em condições muito específicas, como já foi sugerido, mas pioneiros na transformação da superfície do planeta, atuando na transição da vida da água para a terra.

“Observamos ainda hoje como os liquens alteraram substratos rochosos, dissolvendo rochas, além de produzirem biomassa usada por plantas e animais. Esse papel seria ainda maior naquele período, tendo possibilitado o surgimento dos ecossistemas complexos que temos hoje, como florestas e campos”, encerra Becker-Kerber.

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