Jerônimo Rodrigues (PT) completa seu terceiro ano à frente do Governo da Bahia em uma encruzilhada. Conseguiu consolidar um grupo político forte, que detém a maioria das prefeituras do estado, mas aparece atrás de seu principal adversário, ACM Neto (União Brasil), nas pesquisas – o ex-prefeito tem 41% contra 34% do governador segundo pesquisa Quaest divulgada em agosto

Em entrevista à Folha, ele minimiza os números, afirmando que, enquanto a oposição “ganha na pesquisa”, seu grupo político “ganha nas urnas”. Destaca a importância de Lula como cabo eleitoral e diz ver o presidente em situação mais confortável do que na eleição de 2022.

Sobre a segurança pública, um dos temas mais críticos de sua gestão, defende um “braço forte” do Estado contra o crime organizado, mas ressalta que isso não significa aval para a polícia matar.

A letalidade policial caiu em 2024, mas a Bahia lidera os indicadores absolutos entre os estados, com 1.370 mortes em ações policiais entre janeiro e outubro de 2025. Para reduzir os indicadores, o governador sinalizou ampliar uso de câmeras corporais pelas tropas.

O senhor chega a três anos de mandato com um grupo político forte, mas atrás de seu adversário nas pesquisas. É candidato à reeleição?

Sou pré-candidato. Não tem nenhum outro nome posto no nosso grupo. Ouço, às vezes, alguns comentários sobre Rui [Costa] e não tem nada disso. Sobre as pesquisas, claro que a gente se preocupa, é natural. Mas meu foco é cumprir meus quatro anos acertando ao máximo. Tive uma trajetória muito dura. Essa trajetória é muito orientadora das minhas decisões.

Jaques Wagner e Rui Costa viviam um cenário mais confortável que o senhor quando disputaram reeleição em 2010 e 2018. O que mudou?

Estavam [mais confortáveis] em relação às pesquisas. Mas eu tenho outra pesquisa que eu faço diariamente, que é, por exemplo, a quantidade de lideranças políticas ou de prefeitos. Eu vou trabalhar até o último dia para poder fazer minhas entregas e reverter as pesquisas. Enquanto eles [oposição] ganham na pesquisa, eu ganho nas urnas.

Em 2026, o senhor vai precisar de Lula ou o presidente vai precisar do senhor para manter a frente de votos que ele teve na Bahia?

Eu preciso do Lula, e muito, e Lula precisa do nosso grupo. Quando precisou da Bahia, Lula estava fora do governo. Mas Lula hoje é presidente e tem possibilidade de entrar no [eleitorado] do Norte, de São Paulo, com mais força. Existe um ambiente muito mais confortável do que em 2022. Eu tenho que fazer o meu trabalho. Wagner e o Rui enfrentaram representantes do carlismo. Eu estou enfrentando o herdeiro do carlismo.

Jaques Wagner e Rui Costa querem concorrer ao Senado. Como viabilizar uma chapa pura sem uma crise com o PSD e o senador Angelo Coronel?

Temos três bons nomes. Tenho conversado muito com os partidos para a gente montar uma chapa que tenha competitividade e ajudar a reeleger Lula. Para aumentar a bancada federal e na Assembleia. A nossa aliança é de ganha-ganha. Meu desafio é fazer com que os partidos de nossa base não saiam machucados. A gente não conversa pelas costas, mas olhando nos olhos. E compensando quando é possível compensar.

O senhor já tem as compensações?

Estamos construindo. Temos até março, é tempo suficiente para encontrar uma saída. Nós temos que garantir que esse Congresso possa ter deputados federais que honrem o lugar nosso da política. Não levem para aquela Casa interesses pessoais, mas discutam temas nacionais como o combate à fome, moradia e segurança.

Acha que o atual Congresso falha no debate dos temas nacionais?

Um Congresso, ou parte dele, que busca construir um ambiente de proteção para deputados é muito ruim. É um Congresso precisa proteger aqueles que praticam erros, que tem ligações com crime organizado. Não tem que ter privilégio, quem tiver com interesse de errar, contrate um bom advogado.

Como vê a candidatura do Flávio Bolsonaro à Presidência?

Quem tem que bater cabeça para se organizar são eles. O bolsonarismo criou um ambiente deselegante na política, imaturo, fazendo da disputa mesquinha. Mas qualquer divisão no campo da oposição ajuda. [A escolha de Flávio] mostra como eles fazem política. Resolve por decisão do ex-presidente, o condenado, e anuncia sem dialogar com a base.

Em maio, o senhor falou que bolsonaristas deveriam ir para a vala. Em novembro, falou em ‘entupir a boca’ daqueles que o criticam. Essas declarações não criam um clima de hostilidade?

Na vez que falei da vala, eu realmente exagerei e me desculpei. A segunda fala não houve isso. Não cheguei a fazer qualquer tipo de agressão, fiz a crítica às pessoas que ficam fazendo cortes da minha fala sobre coisas que eu não defendo. Tiveram cortes perversos, de fakes, que eu não concordo. Mas todo mundo conhece o meu estilo. Eu não tenho nenhuma maldade ou perversidade, inclusive com meus opositores.

A Bahia reduziu as mortes violentas em 2024, mas vive um avanço das facções criminosas nas comunidades com extorsões e domínio ilegal de serviços. Como enfrentá-las?

Temos que fazer muito. Esse não é um debate de esquerda e da direita, a gente precisa de sistema na segurança pública como tem na saúde, que envolva estados, prefeituras e União. Tem que botar orçamento, aumentar o orçamento para a gente para dividir essa conta. Todo mundo sabe, a Bahia não tem indústria de armas. As armas chegam aqui. A Bahia não tem essa quantidade de laboratório de produção de drogas. Vem de fora. Todo mundo sabe que a Bahia é um estado de paz, é um estado de alegria. Mas quando tem uma comunidade violentada, não dá para gente imaginar que ali que está o foco da causa. Ali já é consequência. Nós estamos reduzindo a quantidade de mortes violentas e a letalidade policial. O uso das câmeras [corporais] fui eu quem implantei.

O senhor não acha que foi muito pontual?

Muito, muito. Eu concordo.

Digo porque o senhor falou em redução da letalidade, mas números da Bahia continuam sendo muito expressivos. A Bahia tem praticamente o triplo da letalidade do Rio de Janeiro.

O policial é um servidor público concursado, tem que prestar conta das suas atitudes. Eles têm que saber que essas câmeras corporais são para ajudar a sociedade a compreender a transparência da ação policial. Mas é também para proteger ele. Quando ele está com razão, a câmera ajuda. É claro que eu quero mais câmeras.

O senhor renegociou o contrato da ponte Salvador-Itaparica, que agora vai custar R$ 12 bilhões para o estado, entre investimentos diretos e contraprestações. É quatro vezes mais do que o previsto inicialmente. É uma obra sustentável?

A negociação foi conduzida pelo Tribunal de Contas do Estado, chegamos a um consenso e assinamos essa decisão. Salvador está em um lugar que só consegue a entrada com cargas pela BR-324. Com a ponte, quem vem do Oeste vai passar a economizar até 100, 150 quilômetros. Então é um projeto de mobilidade estadual. E quando Lula coloca a ponte no orçamento, traduz que é um projeto nacional.

O projeto prevê uma via expressa em Itaparica com impactos na vegetação e comunidades tradicionais. Como mitigar?

Quando a gente tem um projeto dessa magnitude, claro que as consequências vêm, a especulação imobiliária vai acontecer. Criamos uma secretaria para fiscalizar o consórcio e manter um diálogo permanente. Vamos fazer as compensações quando forem necessárias e zelar para que essas ações impactem o menos possível.

Sua gestão foi autorizada a tomar empréstimos que chegam a R$ 26 bilhões. É sustentável o Estado se endividar dessa forma?

O Governo do Estado está com uma saúde financeira boa para tomar empréstimo. Se não tivesse, não passava na Assembleia. Nós ficamos quatro anos com o governo do Bolsonaro sem liberar um empréstimo, a Bahia foi penalizada. Parte desses empréstimos é uma compensação do que nós não tivemos em quatro anos.

O senhor disse que o combate à fome seria a principal marca de sua gestão. Mas a Bahia segue com um quadro de insegurança alimentar acima da média nacional. O que faltou?

Conseguimos tirar quase 2,3 milhões de pessoas da fome. Mas ainda temos 700 mil em insegurança alimentar e isso não me deixa tranquilo. Além das cestas que a gente distribui, dos restaurantes populares, das cozinhas comunitárias, tem uma linha de combate à fome que são as escolas. São quatro refeições diárias. Quando entrego uma escola, fico pensando que esses meninos vão ter uma escola diferente da minha. Ou um hospital, uma estrada de asfalto onde eu não tive. Minha marca é fazer inclusão através desses equipamentos.


RAIO-X

Jerônimo Rodrigues, 60

Natural de Aiquara (BA), é agrônomo e professor da UEFS. Foi secretário estadual de Desenvolvimento Agrário e de Educação na gestão Rui Costa (PT). É governador da Bahia desde 2023.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You May Also Like

Ricardo Nunes e Milton Leite rivalizam pela Câmara de SP – 26/10/2025 – Painel

A pouco mais de um mês para eleição da presidência da Câmara…

Tarcísio tenta conciliar discrição com defesa de Bolsonaro – 31/08/2025 – Poder

Considerado o principal sucessor político de Jair Bolsonaro (PL), mas sob ataques…

Aliados de Bolsonaro e Lula propagam versões sobre Trump – 26/10/2025 – Poder

A reunião do presidente Lula (PT) com Donald Trump, neste domingo (26),…

Bolsonaro pode ficar até sete anos em regime fechado – 29/08/2025 – Poder

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode pegar até sete anos de prisão…