No fim do ano, fazemos as mesmas promessas: ser mais saudável, mais ativo, mais paciente, mais produtivo, mais presente. Tudo ao mesmo tempo e já a partir de janeiro. O problema é que geralmente não conseguimos tudo nas primeiras semanas; o carnaval chega e as resoluções desmancham. A literatura sobre bem-estar sugere uma estratégia bem menos heroica: em vez de tentar reformar a vida inteira, escolher uma mudança de cada vez e insistir nela até virar rotina.

Se a pergunta é por onde começar, o que proponho para 2026 é olhar para a forma como usamos o nosso tempo e atenção. Hunt Allcott e colegas acompanharam quase três mil usuários do Facebook e sortearam metade para desativar a conta por quatro semanas, enquanto o restante seguiu como sempre. Ao fim do mês, quem saiu da rede relatou bem-estar mais alto, menos sintomas de depressão e ansiedade e mais tempo com amigos e família fora da tela, além de reduzir o uso do Facebook mesmo depois do experimento. O grupo de tratamento sabia um pouco menos sobre detalhes factuais da eleição, mas também estava menos polarizado politicamente e se dizia melhor de humor. A renda, a cidade e o emprego eram os mesmos; o que mudou foi só um pedaço da exposição ao feed.

Matthew Killingsworth, com um aplicativo que perguntava várias vezes ao dia como as pessoas se sentiam, encontrou outro pedaço da história. No conjunto de mais de 30 mil norte-americanos, o bem-estar experiencial continuou aumentando com o logaritmo da renda em toda a faixa observada, inclusive bem acima do número que costuma circular como “teto da felicidade”; não apareceu um platô claro a partir de US$ 75 mil por ano.

Em paralelo, Andrew Jebb e coautores, usando dados de 1,7 milhão de pessoas em 164 países, estimaram pontos de “saciedade” em torno de US$ 60 mil a US$ 75 mil anuais para bem-estar emocional e cerca de US$ 95 mil para avaliação geral da vida. Após estes patamares, retornos bem menores, especialmente em países mais ricos. Em conjunto, esses resultados sugerem que o dinheiro segue importante, sobretudo para quem ainda não alcançou conforto básico, mas que a felicidade de cada real extra encolhe bastante após certo nível.

Para boa parte da classe média urbana que já consegue pagar contas, comer fora de vez em quando e planejar férias, o problema deixa de ser apenas a renda e passa a ser o cotidiano que essa renda está financiando. O salto entre um e dois salários mínimos é enorme, mas entre 20 e 21, nem tanto. A próxima promoção dificilmente terá o mesmo impacto emocional da primeira carteira assinada ou do primeiro aluguel fora da casa dos pais. Se o salário já garante o básico e mais um pouco, discutir felicidade significa discutir o uso do tempo que ele compra: quantas horas vão para deslocamento, quantas para vídeos curtos, quantas para relações ou para descanso.

O experimento de Allcott mostra que tirar um único aplicativo da rotina já produz diferença mensurável no humor e na forma como nos envolvemos com notícias e política. Desconexão aqui não precisa ser um gesto radical de jogar o celular fora. Pode significar menos rede social, mas também menos envolvimento emocional com o ciclo de notícias, menos hábito de abrir o portal a cada meia hora, menos disposição para entrar em todas as brigas do dia.

Em dezembro, fiz uma versão doméstica desse experimento, trabalhando normalmente, mas tratando a coluna como pausa do ciclo de notícias. Em vez de comentar sobre usar alguma crise política como gancho, escrevi sobre presentes, literatura, brigas de família e usos práticos da evidência. Ao ajustar tempo e atenção, mesmo com o resto constante, a experiência do dia mudou. Uma hora a menos de redes ou de engajamento emocional com o noticiário tende a virar uma hora a mais de sono, conversa, leitura ou lazer, e isso pesa mais para a felicidade do que acrescentar metas ambiciosas que morrem em fevereiro.


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