Nesta terceira parte de Como Deus Nasceu, nossa série sobre as origens dos três grandes monoteísmos, mudaremos um pouco de marcha, por assim dizer. Depois de apresentar aos leitores o panteão de deuses que aparentemente predominava nas regiões dos atuais Israel, Palestina, Jordânia, Líbano e áreas adjacentes durante a Idade do Bronze, é hora de examinarmos o que se sabe sobre as origens do povo israelita.

O resumo a seguir, embora ainda não volte a abordar a evolução teológica que desembocaria na religião judaica, é importante como “ponte”. A ideia é que ele comece a conectar o que sabemos sobre as crenças politeístas (ou seja, em muitos deuses) no Oriente Próximo da Idade do Bronze com as transformações paulatinas introduzidas nelas pelo povo de Israel ao longo do período seguinte, o da Idade do Ferro –ou seja, mais ou menos de 1200 a.C. em diante.

Mas, para isso, precisamos saber como os israelitas bíblicos surgiram, e aqui a resposta da arqueologia e da história “secular”, não religiosa, vai na contramão das narrativas de origem na Bíblia hebraica ou Antigo Testamento.

Enquanto as Escrituras descrevem o surgimento de Israel (enquanto entidade política) como uma grande ruptura e mesmo um genocídio, a partir da destruição quase completa dos povos que viviam anteriormente na chamada terra de Canaã, a pesquisa moderna indica fortemente que os israelitas jamais conduziram um extermínio dos cananeus, porque eles próprios, originalmente, eram cananeus.

As pistas que apontam nessa direção são muitas. Primeiro, não há nenhuma evidência direta fora da Bíblia, seja textual, seja arqueológica, de que um grande êxodo em massa de israelitas a partir do Egito tenha de fato acontecido em qualquer momento da Idade do Bronze tardia. Não há sinais de qualquer coisa parecida na documentação egípcia ou em sítios arqueológicos do deserto do Sinai.

Em vez disso, a terra de Canaã era, pelo menos até o fim do século 13 a.C., parte do domínio imperial egípcio, como mostram cartas trocadas entre a chancelaria dos faraós e os reis das cidades-Estado cananeias. Os israelitas estariam, portanto, fugindo do Egito… para o Egito, em certo sentido.

O controle imperial faraônico sobre Canaã fica estremecido por volta da data fatídica de 1200 a.C., com o chamado colapso da Idade do Bronze, que envolveu a possível destruição de algumas cidades cananeias, como Betel, Megido e talvez Hazor. Mas a lista não bate nem de longe com a das metrópoles supostamente destruídas pelo general israelita Josué, de acordo com a Bíblia –Jericó e Ai, as mais famosas, não foram afetadas por esse colapso.

Depois do colapso, os arqueólogos detectam o surgimento de cerca de 200 pequenos assentamentos rurais na região montanhosa de Canaã (mais ou menos correspondente à atual Cisjordânia e regiões do Israel moderno um pouco mais ao sul).

A cerâmica e outros elementos da cultura material desses vilarejos são indistinguíveis do que se via na zona rural e pastoril de Canaã em séculos anteriores. Tudo indica que ali há uma mistura de refugiados do colapso com, talvez, grupos nômades das regiões semidesérticas a leste e a sul da zona montanhosa. E, por último, a própria língua hebraica é essencialmente um dialeto cananeu, muito próximo do fenício e da antiga língua de Ugarit (confira, mais uma vez, o post anterior da série).

Em suma, os antigos israelitas eram um subgrupo cananeu que criou para si uma nova identidade política e, claro, religiosa. Como isso se deu será o tema das postagens seguintes.

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