Durante séculos, países ricos exploraram colônias em busca de riquezas naturais, sem beneficiar as populações nativas. Hoje, algo parecido acontece na ciência: é o chamado colonialismo científico ou ciência de paraquedas. Cientistas de países ricos realizam pesquisas em regiões economicamente vulneráveis, sem incluir ou reconhecer adequadamente os pesquisadores locais.

Essa prática atrasa a transferência de tecnologias e a capacitação de cientistas locais, comprometendo o desenvolvimento da ciência em regiões já desfavorecidas. Em pesquisas com biodiversidade, o impacto é maior nos países tropicais do Sul Global, como Brasil, Indonésia e Madagascar.

O Sul Global, que responde por 60% da cobertura terrestre do planeta e abriga 90% das espécies já catalogadas, abarca 187 países, nos quais estima-se que ocorrerão mais de 90% das descobertas de novas espécies. Apesar de concentrarem a maior biodiversidade, esses países apresentam as maiores lacunas de conhecimento. Documentar suas espécies, portanto, é crucial para a conservação global.

Em um estudo recém-publicado no Proceedings of the Royal Society B, avaliamos como o colonialismo científico promove a exclusão e a marginalização de pesquisadores do Sul Global. A pesquisa, realizada por cientistas da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), Unicamp e IFPI (Instituto Federal do Piauí), revisou mais de 3.000 artigos que descreveram novas espécies de moluscos terrestres nos últimos 20 anos.

Cerca de 70% das descobertas ocorreram no Sul Global. Porém, ao observamos a participação de pesquisadores locais, esses números seguem uma queda livre: menos de um terço dos estudos realizados envolveu esses cientistas. Quando incluídos, eles lideraram a descoberta de 1 em cada 4 espécies.

O impacto vai além da disputa por crédito em publicações. As desigualdades se manifestam no acesso não só a técnicas avançadas como a recursos para estudos de revisão (frequentemente mais onerosos), 90% dos quais foram liderados por pesquisadores de Norte Global.

A exclusão do conhecimento local pode levar a erros científicos, como descrições imprecisas de espécies. Além disso, enfraquece a soberania nacional sobre a biodiversidade e ignora acordos internacionais que estabelecem a repartição justa dos benefícios. O colonialismo científico reflete desigualdades históricas e pode comprometer o futuro da ciência da biodiversidade.

Pesquisadores amazônidas como a bióloga Deliane Penha, professora da Universidade federal do Oeste do Pará (Ufopa), vêm sendo protagonistas na conscientização desse problema. Seu grupo de pesquisa, o Niaras dos Tapajós, chama atenção também para o colonialismo que acontece dentro do próprio país – por exemplo, quando cientistas do Sudeste procuram pesquisadores do Norte apenas para coletar dados ou conseguir acesso à floresta e depois não os incluem como autores dos estudos.

Para conhecer e proteger a vida no planeta, é preciso garantir voz, condições e reconhecimento a cientistas de todas as regiões. Isso significa assegurar liderança compartilhada e investir em transferência de tecnologia e capacitação local.

O Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e da coluna.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You May Also Like

CNPq abre edital de R$ 215 mi para pesquisa fora do Brasil – 01/09/2025 – Ciência

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) abriu uma nova…

Trump recebe Bill Gates, Tim Cook e Zuckerberg em jantar – 04/09/2025 – Mercado

O presidente Donald Trump reuniu alguns dos principais executivos do setor de…

Apple confirma data do evento de lançamento

Arte que a Apple inseriu no convite de lançamento para seu evento…

descontos de até 45% no Samsung Galaxy S24 Ultra

A Samsung está oferecendo descontos especiais de até 45% no Galaxy S24…