O Senado arquivou nesta quarta-feira (24), após forte pressão da opinião pública, a PEC da Blindagem, que tentava restringir processos contra deputados e senadores.
O fim da tramitação da proposta de emenda à Constituição foi declarado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), depois de ela ser declarada inconstitucional por unanimidade pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Foram 26 votos contrários ao texto, que se tornou alvo de manifestações de rua pelo país no fim de semana, após ser aprovado pela Câmara. Nas palavras de Alcolumbre, o tema tem “mobilizado a sociedade brasileira, mas, sobretudo, o Parlamento”.
“Foi um enterro de luxo, por unanimidade”, disse o presidente da CCJ do Senado, Otto Alencar (PSD-BA). Ele era contra o projeto desde o início e escolheu um relator também contrário, Alessandro Vieira (MDB-SE).
Vieira apresentou parecer no qual considerou o texto inconstitucional.
A cúpula do Senado cogitou levar a PEC ao plenário mesmo com a rejeição na comissão, para que o conjunto dos congressistas também a rejeitasse, e o peso político da decisão fosse maior. A ideia, porém, esbarrou no regimento interno, pois matérias declaradas inconstitucionais por unanimidade na CCJ não podem continuar tramitando.
Cerca de uma hora e meia depois da votação na comissão, Alcolumbre iniciou a sessão deliberativa e informou o arquivamento da PEC.
O enterro da proposta no Senado tem potencial para criar atrito com deputados, pois, na prática, a Câmara arcará sozinha com o desgaste público. O mais comum quando uma Casa não quer aprovar um projeto que já tem o aval da outra é não colocá-lo em votação.
Alcolumbre foi questionado por jornalistas se havia conversado sobre o tema com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Falo com o presidente Hugo muitas vezes por dia”, respondeu o senador.
A PEC foi aprovada na semana passada pela Câmara em uma votação feita a toque de caixa. O texto estipulava que congressistas só poderiam ser investigados e presos se houvesse aprovação pelo Legislativo em voto secreto. Também estendia o benefício a presidentes de partidos.
A proposta logo se revelou impopular. A reação nas redes sociais contra deputados que apoiaram o projeto assustou senadores antes mesmo de o texto chegar formalmente à Casa.
A pressão da opinião pública foi citada pelo senador Jorge Seif (PL-SC), que retirou seu voto em separado, espécie de parecer alternativo, sobre o tema. “Preciso reconhecer que a população entrou em contato conosco. Precisamos estar sensíveis às vozes das ruas”, disse.
Ele disse que há méritos na PEC, mas que eles foram eclipsados pela proteção a congressistas em caso de crimes.
Do outro lado do espectro político, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) pediu a rejeição do projeto por unanimidade para encerrar a tramitação de uma vez. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) deu declaração semelhante. “Precisamos sepultar [a PEC] de vez e tentar retomar um mínimo de confiança no Congresso”, declarou.
Vieira, o relator na CCJ, afirmou em seu voto que a PEC poderia abrir o Congresso para o crime organizado.
“A PEC que formalmente aponta ser um instrumento de defesa do Parlamento é na verdade um golpe fatal na sua legitimidade, posto que configura portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos. Essa é uma PEC que definitivamente abre as portas do Congresso Nacional para o crime organizado”, afirmou.
“Trata-se do chamado desvio de finalidade, patente no presente caso, uma vez que o real objetivo da proposta não é o interesse público –e tampouco a proteção do exercício da atividade parlamentar–, mas sim os anseios escusos de figuras públicas que pretendem impedir ou, ao menos, retardar, investigações criminais que possam vir a prejudicá-los”, disse Vieira no documento.
O senador mencionou os 13 anos posteriores à promulgação da Constituição de 1988, quando uma regra parecida com a PEC da Blindagem estava em vigor, até ser revogada em 2001. Nesse período, segundo o relator, foram quase 300 pedidos de investigação contra deputados, e apenas um teve aval da Câmara.
“Assim, a presente PEC teria o real objetivo de proteger autores de crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o que configura claro desvio de finalidade e, consequentemente, inconstitucionalidade.” Ele também mencionou a possibilidade de ocupantes de outros cargos, como deputados estaduais, serem blindados pelo texto.
Apoiadores do projeto o chamavam de PEC das Prerrogativas e afirmavam que ele era importante para proteger congressistas de supostos abusos do STF (Supremo Tribunal Federal).
Sergio Moro (União-PR) buscou salvar a PEC na terça-feira (23) apresentando restringia a necessidade de aval do Legislativo a crimes contra a honra ou ligados a falas de congressistas.
Durante a sessão desta quarta (24), porém, Moro afirmou que a proposta estava contaminada. “Não vou insistir na emenda nesse momento”, disse.