“Supercola” é um termo que inevitavelmente me remete a planos mirabolantes de desenho animado, algo que um arqui-inimigo do Pernalonga ou do Papa-Léguas tentaria usar numa armadilha contra eles (sem o menor sucesso, é claro). Pois acontece que algo ainda mais grudento existe na escala minúscula das membranas celulares. E, para azar da saúde da nossa pele, é aplicado com a maior eficiência pela bactéria Staphylococcus aureus.

Acontece que, para se agarrar à camada córnea de células da pele, que funciona como a primeira barreira do nosso corpo contra ameaças externas, a bactéria desenvolveu sua própria supercola. O grude produzido por ela é a ligação entre proteínas mais forte já medida na natureza, contou-me a pesquisadora brasileira Priscila Figueiredo Gomes, que trabalha na Universidade de Auburn, no sul dos EUA.

A cientista e seus colegas e conterrâneos Rafael Bernardi e Diego Gomes assinam juntos um estudo no periódico especializado Science Advances que desvenda uma série de detalhes importantes da supercola da S. aureus, inclusive analisando átomo a átomo a estrutura do adesivo e propondo maneiras de enfraquecê-lo.

Não se trata de mera curiosidade (ainda que a mera existência de um super-adesivo bacteriano seja inegavelmente fascinante). O micróbio, além de agravar problemas de pele comuns, como a dermatite atópica ou eczema, também é uma das principais causas de infecção hospitalar severa e tem se tornado cada vez mais resistente a antibióticos.

A S. aureus se aferra com particular tenacidade à camada mais externa da epiderme, que contém células achatadas e mortas. Essas células são conectadas entre si por estruturas especializadas compostas, em parte, por uma proteína chamada desmogleína-1 (ou DSG-1, para encurtar). Já havia indícios de que uma das moléculas na superfície da bactéria, designada pela sigla SdrD, tinha uma estrutura apropriada para o contato com a desmogleína, e foi a ação dela que os pesquisadores buscaram elucidar.

Um dos jeitos de fazer isso é usar um microscópio de força atômica. Em vez de usar luz, como os microscópios ópticos que conhecemos, a ação dele lembra mais o toque, investigando a superfície de uma amostra com sua ponta. No caso, a equipe colocou nessa ponta uma bactéria com a SdrD na superfície e, embaixo, as células da epiderme. Em outros testes, a SdRD não estava na superfície da bactéria.

Como você deve ter adivinhado, as células da pele se grudaram fortemente às bactérias com SdrD, o que não aconteceu quando elas não tinham a molécula. Em uma série de outros experimentos, os pesquisadores conseguiram medir a força dessa interação e investigar quais trechos de cada uma das moléculas eram responsáveis pelo “grude”.

Por fim, a equipe analisou o processo usando células afetadas pela dermatite. Nesse caso, a bactéria consegue usar a supercola em quase toda a superfície da célula humana, e não apenas nas bordas dela. Outro fator importante é que, nas células com dermatite, há uma presença maior de cálcio, elemento que facilita ainda mais a conexão bactéria-célula humana.

As descobertas podem abrir novos caminhos terapêuticos, diz Priscila Gomes. Em vez de usar antibióticos, cada vez mais inócuos contra a S. aureus, seria interessante barrar especificamente o elo SdrD-desmogleína. Se funcionar, daremos adeus à supercola –e à infecção.

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