Digo isso porque, durante muito tempo, tentamos fingir uma indiferença olímpica diante do tsunami de chorume que vinha se avolumando à nossa porta. Não queríamos gastar tempo, esforço e preciosos caracteres cada vez mais escassos para contra-atacar gente que defendia que a Terra só tinha 6.000 anos de idade, que negava a existência de uma crise climática ou achava que vacinas eram um plano maligno da “Big Pharma”.
Talvez seja possível resumir nossa abordagem pregressa com um slogan popularesco: “Vamos falar de coisa boa!”. Com tantas descobertas espetaculares e debates científicos de verdade acontecendo, por que deveríamos bater palma para maluco irrelevante dançar?
A esta altura do campeonato, acho impossível saber se a nossa inação contribuiu para que os malucos irrelevantes se tornassem relevantíssimos. Talvez eles galgassem os degraus mais altos do poder de qualquer maneira, catapultados pela lógica algorítmica da economia da atenção, aquela que recompensa quem gera mais raiva, medo e engajamento.
O fato, de todo modo, é que eles chegaram lá.
Para nossa sorte, a produção científica sobre o tema não ficou parada, vendo a banda passar. Estudos como o que abordei em reportagem recente indicam que é possível reverter ao menos parte dos efeitos da desinformação, mesmo quando os alvos dela estão bastante radicalizados.
O receituário para isso parece até simples. Diante de qualquer “cepa viral” de desinformação, o que parece ter mais efeitos positivos é explicar, de forma detalhada, simples e clara, por que a teoria da conspiração não se sustenta. É preciso pensar em explicações que desmontem a bobagem passo a passo, de forma lógica, e que não se baseiem apenas em argumentos de autoridade —a “palavra de especialistas”, que pode ser utilizada, afinal, por qualquer lado num debate.
Trata-se, porém, de um estratagema modestamente útil, e não de uma varinha de condão. A pantomima encenada por Trump na semana que passou mostra que, além de desmontar teorias da conspiração específicas, precisamos achar maneiras de discutir em público a maneira como a ciência funciona, e não apenas seus resultados.
Digo isso porque pessoas que compreendem o processo de formação de consensos científicos teriam muito mais dificuldade de aceitar um “prazo de validade” específico para revelar as causas do autismo ou de qualquer outro distúrbio do desenvolvimento. Elas saberiam que é indispensável o lento processo de revisão e discussão por parte de especialistas do lado de fora de um projeto, que não sofrem com a pressão de aceitar aquele resultado. Sabem que a correlação entre duas variáveis muitas vezes não significa que uma causa a outra, e assim por diante.
Nosso desafio é fazer um outro tipo de jornalismo de ciência, que incorpore esses aspectos em cada texto, vídeo ou podcast. O preço do nosso fracasso tem sido alto demais.