Na última sexta-feira (24), durante uma coletiva na Indonésia, Lula afirmou que “traficantes também são vítimas dos usuários”. A frase, dita enquanto comentava a política internacional de drogas, buscou fazer uma reflexão social, mas foi interpretada como leniência do presidente com o crime organizado. Em poucas horas, ele precisou se retratar, dizendo que havia se “expressado mal”.
O dano, porém, já estava feito. No mesmo dia, as palavras “traficante”, “facção” e suas variações —que não são pouco mencionadas no cotidiano digital— atingiram o pico histórico de mensagens desde o início do monitoramento de mais de 100 mil grupos públicos de WhatsApp realizado pela Palver em tempo real. O volume superou tanto as menções ao julgamento da trama golpista de Jair Bolsonaro no STF quanto à mobilização contra a PEC da Blindagem. A fala de Lula funcionou como gatilho para uma onda de ataques ao governo.
O episódio encontrou um ambiente internacional inflamado. Donald Trump vinha comemorando operações letais contra supostos traficantes no Caribe e na Venezuela, chegando a chamar na mesma semana o presidente colombiano, Gustavo Petro, de “traficante de drogas ilegais”. Nesse contexto de radicalização global do discurso sobre segurança, dois dias depois Lula se encontrou com Trump na cúpula da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático, em português), na Malásia.
O encontro foi recebido de forma positiva e interpretado como uma tentativa de reconstruir pontes diplomáticas após meses de tensão comercial entre os dois países. O diálogo, descrito por ambos os lados como “franco e construtivo”, reforçou o esforço de Lula em reposicionar o Brasil como um ator responsável e pragmático no cenário internacional. Durante a conversa, o presidente se colocou como possível mediador na crise envolvendo a Venezuela —justamente o epicentro da pauta norte-americana sobre o tráfico de drogas e a atuação de cartéis.
Enquanto buscava projetar liderança no exterior, Lula enfrentava em casa um tema cada vez mais sensível: a segurança pública voltou ao centro da disputa política. No Ceará, Ciro Gomes usou o avanço das facções para criticar o governo petista de Elmano de Freitas; em São Paulo, Tarcísio de Freitas foi pressionado após operações que ligaram o PCC à Faria Lima e, em seguida, pela crise do metanol, que reacendeu o medo de contaminação. Nesse ambiente, o MBL também cresceu ao incorporar o combate às facções à sua identidade política, defendendo, em tom de guerra, o “direito penal do inimigo”.
Qualquer assunto que tenha as palavras “PCC” ou “Comando Vermelho” tem grande potencial de engajamento, porque toca um anseio real da população. A sensação de medo expressa nas redes sociais é constante, e a política aprendeu a explorá-la. Em 2022, a questão do crime organizado foi um dos pontos mais sensíveis da campanha eleitoral, e o episódio do boné com a sigla “CPX”, usado por Lula em visita ao Complexo do Alemão, foi amplamente explorado para associá-lo ao Comando Vermelho.
No plano institucional, o governo federal busca responder a essa pressão com a PEC da Segurança Pública e, mais recentemente, com o PL Antifacção, apresentado nesta semana pelo Ministério da Justiça. Ainda assim, o esforço técnico e legislativo não se traduz, por enquanto, em narrativa pública.
Hoje, a pauta da segurança pública deveria ocupar o topo das prioridades do governo —tanto em ação quanto em comunicação— se a intenção é mitigar riscos eleitorais em 2026. O governo já consolidou, através de políticas públicas, a imagem de quem se preocupa com os mais pobres; por isso, narrativas que tentam negar esse compromisso não ganham tração. O calcanhar de Aquiles está em outro ponto: a percepção de leniência diante do avanço das facções criminosas.
Agora, com a escalada dos Estados Unidos contra os cartéis latino-americanos e a militarização crescente do discurso sobre drogas, o combate ao crime organizado ganhou também dimensão diplomática. A segurança pública deixa de ser apenas uma questão doméstica e passa a integrar a agenda de política externa —um tema em que o Brasil, se quiser preservar protagonismo internacional, precisará demonstrar autoridade interna e coerência global.
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