A querida leitora Vera tem andado de baixo astral, cada vez mais descrente em sua vida romântica: “todo homem que me atrai é um idiota, só os feios são legais!”, desabafou. Tentei consolá-la explicando que se trata de fenômeno comum: nas mais diversas situações quotidianas, características que se esperaria que fossem independentes, como beleza e simpatia, aparentam estar negativamente relacionadas —parece que para que uma melhore a outra tem que piorar.

São comuns as queixas de que os livros populares costumam ter baixa qualidade literária, e os livros bons geralmente não vendem bem. Será que as pessoas só gostam de livros ruins?

Outro lugar comum é que pessoas inteligentes têm pouca habilidade social, aqueles que interagem bem em sociedade não costumam ser brilhantes. É a origem do estereótipo do “nerd”. Um dia desses um colega que eu não conhecia ficou surpreso porque respondi a seu e-mail. Segundo ele, “matemáticos reconhecidos costumam ser metidos a besta”.

Esse fenômeno tem nome: paradoxo de Berkson, em homenagem ao médico e estatístico norte-americano Joseph Berkson (1899–1982), que o identificou pela primeira vez em 1946. Analisando os dados de pacientes em sua clínica, Berkson observou que aqueles que não tinham hipertensão apresentavam um quadro de diabetes e aqueles que não sofriam de diabetes eram hipertensos.

Uma análise superficial levaria a concluir que hipertensão e diabetes devem estar clinicamente relacionadas. No entanto, isso não é verdade: no conjunto da população, as duas enfermidades são independentes. O que acontece, explicou Berkson, é que pessoas saudáveis não se internam! Então, quando atentamos apenas para pacientes clínicos, é claro que aquele que não sofre de uma das doenças deve necessariamente apresentar a outra: caso contrário, não estaria ali.

O mesmo tipo de raciocínio explica os demais exemplos, inclusive a experiência desapontadora da querida Vera. Em seu dia a dia, ela encontra homens de todos os tipos: bonitos e feios, legais e idiotas e, na verdade, essas características são independentes. Acontece que ela não atenta para todos eles, evidentemente: os feios idiotas são rapidamente ignorados. Os bonitos podem ter qualquer tipo de personalidade: na média, são tão simpáticos quanto uma pessoa típica —o que, convenhamos, não é lá muita coisa. Já um feio que atraia a atenção dela é necessariamente um cara muito legal: se não fosse, a Vera nem notaria o sujeito.

Hoje, Berkson é amplamente reconhecido por suas contribuições à bioestatística e à epidemiologia, que desempenharam papel importante na transição da prática médica tradicional, baseada apenas em observações clínicas, para uma medicina mais moderna, apoiada em métodos quantitativos rigorosos.

Mais além do contexto médico, seu trabalho realçou como nossos raciocínios são frequentemente enviesados por estarem baseadas na observação apenas de uma parte das pessoas ou dos fatos, não representativa do total. É desse modo que nascem os estereótipos, e o viés pode prejudicar a qualidade de nossas decisões. A consciência desses fatos e da necessidade de sempre amparar nossas conclusões em ferramentas estatísticas é o melhor antídoto.

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